era uma vez um filme que foi ao cinema

PÂNICO EM HOLLYWOOD

De: Barry Levinson

Com: Robert De Niro, Sean Penn, Bruce Willis

Se bem me lembro, era no primeiro episódio da série três que Seinfeld e Costanza chegavam, finalmente, à reunião com os executivos da NBC para vender o conceito de sitcom em que andavam a matutar. “Sobre que é?”, pergunta um dos administradores. E George, empolgado, assumia as rédeas da conversa: “Nada!” “Nada?” “É uma sitcom sobre nada.” “Então, por que é que as pessoas a vão querer ver?” “Porque dá na televisão!”

Há coisas assim. Autolegitimam-se. Nascem do próprio umbigo. Pode resultar em brilharete ou autofagia, onanismo, pescadinha de rabo na boca.

De tempos a tempos, também dá ao cinema para se ver ao espelho, ora enquanto arte – no “Oito E Meio”, de Fellini, ou “Mulholland Drive”, de Lynch, por exemplo – ora enquanto indústria – como Altman faria.

“Pânico Em Hollywood” vai por aí. Segue a vida dum produtor com dois filmes em mãos, enquanto lida com realizadores, estúdios, argumentistas, actores, críticos, agentes, focus groups e as leis muito próprias de Cannes, “Vanity Fair” ou “Variety”. Um mundo de equilíbrios difíceis entre gente desequilibrada, com um mártir a tentar ser Deus escrevendo direito por linhas tortas – com a desvantagem de ter também uma vida familiar para gerir, chatice em que o Criador, avisadamente, nunca Se meteu.

Temos, então, realizadores sem autorização para montar o filme como querem, produtores obcecados com números, responsáveis de estúdios invisíveis que põem e dispõem, tirana e telefonicamente; vedetas mimadas e egocêntricas, argumentistas com espinhas dorsais ao nível da minhoca, caprichos, dependências, sexo e muitos, muitos anti-depressivos. Enfim, com excepção talvez para uma senhora idosa de Oliveira do Bairro que ainda pensa que o E.T. existe mesmo e que a Julie Andrews costurou, de facto, vestidinhos de criança a partir dos cortinados da mansão Von Trapp, com “Pânico Em Hollywood” ficamos todos a saber o que já sabíamos.

Barry Levinson já fez bem melhor. Em “Encontro De Irmãos”, “Bom Dia, Vietname”, “Sleepers”, “Bandidos”, etc. Mas não se pode dizer que estejamos diante dum mestre, coisa que a sua condição de quase septuagenário já deveria ter garantido. O mesmo, ou quase, se pode dizer de Art Linson, o produtor que, um dia, decidiu pôr a boca no trombone e escrever “What Just Happened: Bitter Hollywood Tales From The Front Line”, livro que aqui decidiu adaptar, por mão própria, a guião.

“Pânico Em Hollywood” tem bons momentos, mas é uma biografia autorizada. Só vai até onde se deixa ir. E tem, no fundo, o mesmo comportamento das suas personagens: hipócrita, superficial e totalmente incapacitado para a verdade. Faltam-lhe “guts”. Além do mais, gira em torno dum eixo, verdadeiramente, imaginário. Não tem uma storyline, mas múltiplas, o que resulta no óbvio: umas ficam tratadas pela rama; outras são, simplesmente, esquecidas pelo caminho.

Ainda assim, é a rara oportunidade de ver De Niro, Sean Penn e Bruce Willis, três leading man, juntos e a auto-caricaturar-se. E ainda um fabuloso banco de suplentes: Catherine Keener, John Turturro, Stanley Tucci, Robin Wright Penn, Moon Bloodgood e o magnífico Michael Wincott, aqui transformado em Keith Richards, se Richards, porventura, tivesse trocado a música pelo cinema, mas sem deixar as drogas.

Para a História, ficará a cena em que um estúdio inteiro espera, em suspenso, para saber se Bruce Willis cedeu e cortou, magnanimamente, a barba, mas, no essencial, “Pânico Em Hollywood” cai para o lado errado da ironia: é tão falso como o que satiriza. É o risco de confundir a tela de cinema com um espelho.

AB

i, 2009.09.17

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