Newman


Peça de noticiário que se preze, em qualquer elogio fúnebre de uma estrela, pronuncia as fatais palavras: “o mundo está mais pobre” ou variações das mesmas adequadas à circunstância: “a música está mais pobre”, “o cinema está mais pobre”, “o desporto está mais pobre”. Não estão. Se não, por esta hora, o mundo já estaria mais teso que um pensionista luso, dado que nós, seres humanos, não sabemos fazer outra coisa senão morrer.

O mundo sem Paul Newman não é mais pobre. Aquilo com que Newman enriqueceu o mundo fica cá: os seus filmes, a sua imagem, os seus actos. A família de Paul Newman, a casa, a rua, os amigos, esses ficarão, decerto, mais pobres. Mas nós, de longe, na hora da sua morte, só o podemos invejar.

Discuti-o com o motorista de táxi que me transportava quando recebemos ambos a notícia, na tarde de sábado, via auto-rádio: quem nos dera viver e morrer assim. Aos 83 anos, depois de uma vida grandiosa, nos braços da família e da mulher que amou durante meio século.

Visto donde vemos, de muito longe, Paul Newman mereceu tudo quanto teve. Um dos maiores actores de sempre, um dos homens mais bonitos de sempre – com 83 anos, continuava a ser mais bonito que eu, raisparta! – e o tipo que teve o cuidado de nos avisar, com um mês de antecedência, que estava a morrer, para que ninguém fosse apanhado de surpresa.

No seu último filme, Road To Perdition (Sam Mendes, 2002), o seu John Rooney dizia, a dada altura, de arma apontada a Tom Hanks: “This is the life we chose, the life we lead. And there is only one guarantee: none of us will see heaven”. Também para quê? Como se dizia numa anedota sobre Ayrton Senna, com a vida que Paul Newman teve, ia achar o céu uma merda.

AB
[Publicado no Meia Hora de sexta, 03.10.08]

Comentários

Joana Amoêdo disse…
Um homem raro, no bom sentido da coisa.

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