25ª Hora

Quando, na discoteca, Norton sobe para falar com não sei quem, Rosario Dawson e Barry Pepper ficam no bar. A mulher e o amigo de Norton falam sobre o porquê de tudo aquilo, quem traiu, se alguém traiu, se tu traíste. E Pepper, porque se sente atraído por ela (gentil understatement) e por não confiar em si próprio quando Norton estiver preso, insulta-a de propósito para que ela se chateie com ele. Isso vê-se nas defence wounds dela e nos esgares e nos gestos dele. Porventura só a mágoa dela e o embaraço interdito dele o manterá afastado. Pepper constrói deliberadamente a sua própria prisão, simétrica da de Norton. Corre um ferrolho entre ele e ela. Para que qualquer circuito entre eles tenha que passar sempre por Norton: senão por lealdade, então que seja por culpa e embaraço. E repare-se que quando no final Norton quer que o amigo lhe bata e não consegue (porque Pepper se recusa), decide atear em Pepper a sua culpa e hipotética deslealdade, dizendo tu sempre quiseste comer a gaja, admite, admite seu filha da puta traiçoeiro. Norton faz então a Pepper o que este havia feito a Dawson: por amizade pura, magoa-o, força-lhe a mão. Mas o que Pepper não lhe admite, e daí o soco, é que Norton questione a sua lealdade. Norton sabe que se excedeu, por necessidade. E ao fazer o que tinha que fazer para receber os socos de que precisava, também Norton atravessou uma fronteira invisível entre amigos. Por isso lhe pede depois desculpa. Mas se o primeiro soco de Pepper veio como uma flexão da perna quando se bate com o martelinho no joelho, os socos seguintes, os que deixaram a cara de Norton em chaga, vieram de mais fundo, do que não é dito – excepto, talvez, pelos socos.

RB

[Publicado no Meia Hora]

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