Breves Notas sobre John Wick 2 OU O génio de Keanu


Keanu Reeves tem passado toda a sua carreira a aperfeiçoar um complexo método para que não se leve muito a sério Keanu Reeves. É preciso recordar que Keanu, em havaiano, significa, "brisa fresca sobre a montanha".

 Infelizmente, o mundo tem estado contra ele. 

Apesar de um início auspicioso como protoganonista, em "Uma Noite para Esquecer" (1988), um filme meio parvo, meio romântico e o igualmente parvo "Princípe da Pensilvânia" (1988), alguém entendeu que Reeves podia ser levado a sério, primeiro com "A Morte de David" (1988) e depois com "Ligações Perigosas"(1988) (sim, vão lá ver outra vez). 

É verdade que Keanu manteve-se firme nas suas convições e progrediu no seu método com "A fantástica aventura de Bill e Ted" (1989), "Lar Doce Lar... às vezes" (1989) e "Amar-te-ei até te matar" (1990), todos são plenamente parvos. E arriscou o "A caminho de Idaho" (1990)" e o "Até as vaqueiras ficam tristes" (1993) mas estes não contam porque são Gus Van Sant e Gus Van Sant fez o "Gerry", o que não permite qualquer análise racional que integre filmes do Gus Van Sant.

(e "O Pequeno Buda"? Meu deus, meu deus, "O Pequeno Buda". Pois)

Mas a partir daí, com a fatalidade que foi "Ruptura Explosiva" (1991), o mundo venceria Keanu, forçando-o a abandonar o seu método de auto-ironia e humor em nome dos filmes de ação, pancada e um beijo final completamente despropositado ou simplesmente filmes com beijos propositados. Nestes moldes seguiu-se "Speed" (1994), "Johnny Mnemonic: O fugitivo do futuro" (1995), "Um passeio nas nuvens" (1996), "Perseguição diabólica" (1996)", "Mulher do meu irmão" (1996), "O advogado do diabo" (1997) e, claro, o apogeu da perversão do sonho de Keanu, "Matrix" (1999). No fundo é ir ao IMDB e verem tudo o que Keanu Reeves fez na década de 90 e até 2005 com Constantine (pelo meio houve "O Último Suicídio" (1997) sobre o qual até hoje ainda estou a tentar formar opinião).

Tenho para mim que foi Constantine que permitiu o grito do Ipiranga de Keanu contra o Grande Capital e aqueles que queriam oprimi-lo, reprimi-lo e de um modo geral impedi-lo de ser tudo o que ele poderia ser: ou seja, um ator que apurou até à perfeição a capacidade de gozar consigo próprio. Eis Constantine. A personagem de banda desenhada é boa, mas a dele não é nada má. E eu sou um fã incondicional do Constatine, entenda-se.

Mas a verdade é que Constantine permitiu apenas a Keanu Reeves tomar-lhe o gosto. Logo de seguida, pumbas, "A Scanner Darkly - Homem Duplo" (2006) de Richard Linklater, uma pérola deliciosa e escondida permitiria a Keanu começar a apurar o seu dom: fundir o estilo em que o queriam enfiar, pancada/tiros/sexo com a possibilidade de gozar consigo mesmo à pancada/tiros/sexo. É verdade que teve que continuar a fazer essas xaropadas, como "A Casa da Lagoa" (2006), "Os Reis da Rua" (2008) ou "O dia em que a terra parou" (2008) e novamente tudo o que puderem encontrar no IMDB até 2013. 

Sempre com Matrix e Constatine presentes, encontramos Keanu em 2013 pronto para se assumir como um ator que faz sempre de um ator a gozar com o ator que gostariam que ele fosse. Aprendeu imenso com o Matrix e outros filmes (talvez a pior cena de sexo da história do cinema, já agora) e agora só precisava que lhe dessem filmes em que o realizar, argumentista e restante elenco acompanhassem o seu génio e estivessem à altura. Isso quase aconteceu com 2013 com "47 Ronin - A grande batalha Samurai", mas efetivamente só veio a acontecer em 2014 com "John Wick".

John Wick é um filme que só poderia ter Keanu Reeves como protagonista. Aliás, ninguém antecipava o sucesso de John Wick, mas hoje parece claro que o sucesso de John Wick se deve a Keanu Reeves. Apenas ele consegue fazer funcionar um filme que é essencialmente um exercício de estilo excessivo. Em tudo. Entra Keanu a fazer excessivamente dele próprio. Eis John Wick.

Se Neo (the one!) era para ser levado a sério, o que manifestamente perturbou Keanu levando alguns espectadores a ficar com a impressão de que ele era um péssimo ator, John Wick não é para ser levado a sério e isso faz de Keanu um ator perfeito.

Dir-me-ão: "mas ele continua a fazer as mesmas xaropadas de ação para ser levada a sério e romances bacocos". É verdade. Mas uma pessoa tem que ganhar a vida. E depois de John Wick é claro como água que apenas por isso é que Keanu aceita esses papéis menores. E se dúvidas houvesse temos "John Wick 2".

John Wick 2 tem Common, tem Ruby Rose, tem as catacumbas romanas, tem bom gosto, bons carros, armas variadas, fatos à medida, barbas cuidadas, gun fu, bolas, tem Ian McShane! Mas tem, sobretudo, Keanu Reeves. Sem Keanu nada daquilo faria sentido. Ora para se conseguir a necessária suspensão de incredulidade que todos os mundos alernativos exigem, é preciso um catalisador, um ser muito especial que seja o diapasão do tom que se procura. E que tem que ser exatamente aquele. Devido ao longo caminho que Keanu tem vindo a fazer, devido ao método que tem vindo a desenvolver, pelo menos desde Constantine, temos em John Wick (1 e 2, e os mais que vierem!) o grau mais elevado de Keanu, aquele em que o génio de Keanu manifesta-se manifestando-se. Subtilmente. 

Finalmente um papel em que Keanu sendo Keanu faz John Wick ser tudo o que os seus criadores alguma vez quiseram para ele e para todo o filme à sua volta. Não é feito pequeno. Outro ator qualquer estragava tentando fazer um filme de ação sério. Ora John Wick é um universo mais perto de bandas desenhadas como Watchmen, Wanted, League of Extraordinary Man ou até Scarlet (se só puderem ler uma bd hoje leia esta), e neste tom só dá Keanu. Enfim, Keanu é John Wick, John Wick é  Keanu, Keanu é o Alexandre O'Neill do cinema cuja visão é John Wick. Estamos todos de parabéns.





DM


Comentários

Ines Cisneiros disse…
Faltou referência ao Sweet November (tu deves classificar como xaropada, but it gets me everytime. also, uma das minhas Charlizes preferidas e Jason Isaacs, mas este percebes melhor quando os teus filhos te puserem a ver Harry Potters hehe).

Outra xaropada é o Something's Gota Give que também acho que merece todo o nosso tempo lol e lhe valeu a alegada relação com a Diane Keaton.

Favoritos mesmo favoritos: O Advogado do Diabo, Constantine e Scanner Darkly também.

Agora, como fã estava a espera que este post abordasse e me ajudasse a fazer sentido das m**** que ele agora anda a fazer porque Knock Knock e The Bad Batch (se nao viste o trailer, vê que até esta interessante visualmente lol) nesta altura da carreira não têm justificação para mim e partem-me o coração.
Ines Cisneiros disse…
P.S: lembraste me que tenho de rever o Pequeno Buda :D #sddsVHS

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