Locke


Desde Uma História de Violência que não me acontecia. Desde Tom Stall. Desde Viggo Mortensen. Mas agora voltou a acontecer. Com Ivan Locke. Com Tom Hardy. Com Locke. Um filme com o qual me identifico ao fim de uns minutos. Um filme com o qual sinto, ao fim de uns minutos, que me vou identificar.

Há muito pouca coisa em Locke que não seja perfeita, minuciosa, como o próprio betão que define Ivan Locke e que em inglês - concrete - permite um trocadilho com o concreto português. Ivan Locke é um homem concreto.

Comecemos pelo argumento, que é a espinha dorsal de Locke, um verdadeiro tour de force narrativo, brutal e electrizante. Como Locke, Steven Knight, o argumentista e realizador é minucioso, mas - e já lá iremos - o que Hardy transforma num exercício ético, parece ser em Knight um mero exercício de estilo. A preocupação de Knight é garantir que Ivan Locke seja um homem-aríete, a cuja viagem - que ocupa toda a duração do filme - não possam ser apontadas falhas. E consegue-o através de uma cadência feroz, de diálogos inteligentes e de pormenores que asseguram que o enredo não se move em círculos, mas avança como uma espiral rumo a qualquer coisa desconhecida mas inevitável. Um argumento simples, mas eficaz.

Claro que a simplicidade do argumento podia ter redundado em tédio ou, pior, simplismo, perdendo-se a eficácia moral de Locke. Ter acontecido o oposto deve-se ao magistral desempenho de Tom Hardy. O seu desempenho é de um virtuosismo emocional que o debate entre o homem moral e homem sentimental tornam-se todo filme, ocupando o carro e a estrada. 

Locke, com os cruzamentos de Knight e Hardy torna-se um ensaio sobre o homem moral, no que a moral tem de fascinante, a dimensão prática do ser humano: o que testemunhamos durante um conjunto sucessivo de auto-estradas e durante o período que Ivan Locke demora a percorrê-las é filosofia moral em movimento. Face a um dilema moral Ivan Locke surge como uma posição filosófica vincada, dirigida a 140 Km/h para o seu fim e nós - espectadores - somos forçados a acompanhá-lo quer o acompanhemos nas suas opções, quer não. Por isso a viagem de Locke torna-se a nossa própria viagem, em que também nós nos questionamos. O importante não é o destino de Locke, o que Locke não controla, mas a (pequena) parte que Locke controla e que acompanhamos do princípio ao fim. Essa é a única dimensão moral do filme, mas a única que não podemos criticar porque nos é apresentada como algo profundamente individual, íntimo, intransmissível. Locke não tem moralismos, mas tem uma moral. E nós temos que lidar com ela. Porque ela não nos dará tréguas, na claustrofobia vertiginosa da viagem de Locke.

DM

PS - A dado momento, Ivan Locke/Tom Hardy afirma que devia ter partido as costas do seu defunto pai, quando este reapareceu na sua vida, aos 23 anos. Alguém perguntou a Steven Knight se a piada com Bane/Tom Hardy foi inadvertida ou uma grande geek joke?

Comentários

Barreira Invisível Podcast