Grandes Parcerias: Redford & Pollack



We had very similar sensibilities and I think very similar ambitions to do special work, or at least what we thought was special.” - Robert Redford on Sidney Pollack

Conheceram-se na rodagem de War Hunt (1962) um pequeno filme de guerra, feito à margem dos grandes estúdios, onde ambos participavam como actores. Um tinha chegado há um par de anos a Hollywood, multiplicara-se por papeis de figurante e participações televisivas e mesmo agora que finalmente tinha um papel sério como actor secundário, já almejava ser realizador e produtor. O outro fazia a sua estreia no cinema, igualmente como secundário, mas o seu carisma e atributos naturais vaticinavam-lhe que se tornaria rapidamente numa das grandes estrelas da nova Hollywood. A empatia foi imediata, tornaram-se amigos e aproveitavam as pausas de filmagem para falar dos seus sonhos e projectos futuros. Nascia assim a amizade entre Sidney Pollack e Robert Redford, uma das mais ricas e inesperadamente atípicas parcerias Realizador/Actor da geração de 70 do cinema Norte-Americano.

Influenciada pela Nouvelle Vague Francesa, um cinema marcado por um cariz intimista e pessoal, reflexo do olhar muito próprio que cada realizador trazia para o filme e que por norma os levava a recorrer sistematicamente à utilização de um mesmo pequeno grupo de actores de modo a melhor retratarem os seus universos(Truffaut com Leaud é talvez o exemplo mais marcante), também a geração americana de 70 foi pródiga em grandes parcerias Realizador/Actor.



Um reflexo natural da necessidade de toda uma fornada de jovens realizadores encontrar um alter-ego cinematográfico para o novo tipo de cinema que pretendiam implementar. Alguém com quem estabelecessem uma empatia imediata, em quem depositassem total confiança. Uma figura que no grande ecrã se tornasse a exteriorização da sua noção de Herói e que estabelecesse de imediato essa ligação com o espectador. (no fundo, não mais do que John Ford fez, 30 anos antes com John Wayne).

Scorsese trabalhou com De Niro pois sentia que podia levar o actor ao limite e uma vez ultrapassada essa fronteira, retirar algo mais dele. Spielberg teve durante um bom tempo Richard Dreyfus, que encarnava no mais puro sentido do termo o seu alter-ego no ecrã, Bogdanovicth reviu-se em Ryan O'neil e até mesmo um realizador pontual como George Lucas que sempre tentou lutar contra essa ideia de ter “um De Niro”, acabou trabalhar regularmente com Harrison Ford por ser alguém em quem sabia poder confiar a 100% no plateau (Dai, numa piada privada, Coppola ter chamado à personagem de H. Ford em Appocalipse Now de Col. G. Lucas).

Entre Pollack e Redford fica-nos por vezes a sensação de que não é tanto Redford o alter-ego do realizador, mas antes Pollack a personificação do actor por detrás das cameras.

Amigos desde 1960, a pareceria inicia-se em 1966 com A Flôr à Beira do Pântano e termina em 1990 com Havana.


Ao todo são sete colaborações, que podem ser dividida em dois tipos, os filmes no qual Redford é sem sombra de duvida o protagonista principal, como As Brancas Montanhas da Morte, Os 3 Dias do Condor (em ambos foi o actor quem foi buscar o realizador) e onde também podemos incluir Havana. E os filmes em que Redford tem um papel algo secundário deixando o protagonismo para a sua parceira feminia como em A Flôr à Beira do Pantano, O Nosso Amor de Ontem e África Minha, (os dois ultimos foi Pollack quem teve de convencer o actor a participar). Por fim O Cowboy Eléctrico, que sendo um filme desequilibrado, parece reunir o maior equilibrio na dinâmica de poder entre actor/realizador

Num primeiro olhar, são obras podem sugerir ser mais acessíveis, ou simples, quando comparadas com outras parcerias da mesma geração. São na sua maioria filmes que parecem pertencer ao mais puro main stream norte-americano, mas que acabam por ter sempre pontos de subversão ou inovação. São principalmente obras em que actor e realizador tentam quebrar as ideias preconcebidas que a industria havia formado sobre eles.

Pollack foi sempre um realizador de actores e de histórias, o que lhe conferiu o rotulo injusto de ser um realizador de pouca alma e puramente comercial. O seu estilo de realização marcou-se pela sua vontade de retirar o máximo das capacidades de representação dos actores (e não é por acaso que quase todos os seus filmes valeram Óscar ou nomeações para Óscar aos seus interpretes) em detrimento de uma exibição de mestria de realização puramente técnica ou de fazer um cinema demasiado fechado e pessoal.



Por não ser homem de excessivos movimentos de camera, elaborados planos de sequência ou arrojadas opções estéticas, torna-se menos obvia a identificação de um cunho pessoal nos filmes que assina. Mas é nessa invisibilidade, a lembrar os grandes realizadores dos estudios das décadas de 30 e 40, que se encontra a sua marca de autor: uma realização limpa e directa, sempre ao serviço da narrativa e que nunca interrompe a fluidez de representação.

Também Redford é um caso algo singular para “leading man” do cinema americano. Cedo rotulado como sendo simplesmente um “menino bonito”, parte da sua carreira é feita a contrariar ou subverter essa ideia, enquanto a outra parte decorre a aceitá-la de modo a poder financiar os seus projectos pessoais.

Ao contrário da maioria dos actores principais, a força das representações de Redford não surge quando interpreta o clássico papel do heroi solitário e imbativel, mas antes quando está insirido em papeis colectivos. Trata-se de um dos poucos grandes protagonistas-secundários da história do cinema, com um estilo de representação que acaba por ser tão invisível e subtil como a realização de Pollack. Um registo sempre ao serviço de retirar o melhor das pessoas com quem contracena em detrimento de um show off pessoal.

Um método suave mas sempre presente, que no meio de uma geração interpretes que apresentavam representações fortemente emocionais e directas, valeram ao actor um rótulo igualmente injusto: “Redford isn't an actor, he is just a movie Star”.

É curiosamente quando trabalham juntos, em especial nos projectos de Redford, que a dupla mais se desassocia das suas personas habituais e entrega alguns dos seus trabalhos mais arrojados.



Em nenhum filme encontramos essa desassociação tão vincada como em As Brancas Montanhas da Morte (1972): Pollack transforma-se enquanto realizador, e assina um Western Moderno dentro das linhas de A Quadrilha Selvagem (1969), um filme que rompe por completo com as convenções clássicas do género, e onde à violência e melancolia de Peckinpah acrescenta um minimalismo e calma extrema, que alude a uma cinematografia Europeia, a Rossellini ou Antonioni. Um traço que o realizador não voltou a repetir. 

 Também Redford consegue por fim provar que pode ser o protagonista que carrega o peso do filme sozinho (e poucos papeis exploram a solidão de um protagonista como Jeremiah Johnsson), abandona qualquer ideia de beleza e confirma por fim que é mais do que um mero “Movie Star” de cabelo dourado.



O filme é todo ele um tour de force que atinge o seu momento alto no ultimo acto: uma interminável sequência filmada com uma ausência total de diálogos, em que o protagonista enfrenta ao longo de um duro inverno, os ataques individuais de cada um dos guerreiros da tribo India que jurou matá-lo. Um conjunto sufocante de cenas que se prolonga até aos limites das forças do protagonista, sensação que se reflecte igualmente do espectador, naquele que é um dos momentos mais arrojados e memoráveis de todo o cinema da década de 70.

A maturidade na colaboração entre ambos ocorre ao quarto filme com Os Três Dias do Condor (TDC), indiscutivelmente o action-thriller politico mais cool de sempre.



Produzido por Pollack (produção era sua grande paixão) mas com o dedo claro de Redford, TDC mostra-nos o trabalho de dois homens com total dominio e conhecimento das suas capacidades e do seu meio.

Da campanha publicitária (com aprovação do inevitável Stephen Frankfurt), ao guarda-roupa (Um fantástico trabalho de composição de personagem através da roupa), passando pela escolha de Faye Dunaway para actriz principal (em detrimento da 1ª opção que seria repetir a habitual dupla com Jane Fonda) e culminando na temática do argumento, nada é deixado ao acaso na produção deste filme.

Redford explora a sua imagem de estrela e atrai o grande público para o que parece ser um simples thriller de espionagem (recuperando um mercado que lhe fora impossivel atingir com O Candidato, por ser um filme demasiado independente) . Mas traz consigo a sua visão politica, o seu desencanto e desagrado em relação ao governo norte-americano. Questiona as politicas externas e o envolvimento da CIA no Médio Oriente. Ganha uma voz e um prestigio que lhe abririam as portas para produzir no ano seguinte Os Homens do Presidente (1976).


Pollack embarca igualmente na viagem. O realizador, também ele um forte activista anti-nixon, não se limita no entanto a realizar um simples filme de propaganda democrata. Pega no romance de James Grady e desenvolve-o com os argumentistas de modo a explorar um dos seus géneros preferidos: o Thriller.

O resultado é uma modernização do filme Hitchcockiano por excelência, um revisitar da eterna premissa do mestre inglês do “homem injustamente acusado, que é subitamente procurado por todos e se vê, sem saber muito bem porquê, numa fuga interminável para salvar a sua vida”, muito ao estilo de obras como Sabotagem, Intriga Internacional ou O Homem Que Sabia Demais.

Por altura de O Cowboy Electrico, a dupla parece ter atingido uma certa de saturação. O filme é marcado por uma sensação de desencanto, reflexo do próprio cinema da época que se apercebeu do fim de uma era de cinefilia marcada pelo teor adulto, politico e interventivo em detrimento de um cinema algo adolescente e de puro entretenimento que marcaria o tom das décadas seguintes.

A dupla reúne-se para mais dois filmes, África Minha obra de consagração de Pollack enquanto realizador, e Havana, uma tentativa de recriar o clássico Casablanca, transportando a história para os dias que anteceredam a revolução Cubana.

Repleto de problemas durante a rodagem, desde pressões do Estúdio, cortes na montagem, a duvidas no argumento que se transformaram em divergências creativas entre realizador e actor, Havana transformou-se num inevitável, mas inesperado fiasco de bilheteira e da critica. (não é, no seu todo, um grande filme, mas bem melhor do que se fez crer na época e merece ser revisitado).


Sobre o insucesso, Pollack apenas afirmou que “O público não perdoou o facto de Robert Redford ter envelhecido... e contra isso não há nada a fazer.”.

Mantiveram a amizade, mas não voltariam a trabalhar juntos, Pollack apostaria na sua carreira de produtor enquanto Redford abandonaria gradualmente a representação para apostar na realização. Aquando da morte do realizador em 2008, Redford recordou desta forma a amizade e a colaboração entre ambos:

"The most fun I had was in those years, when we were doing original pieces and not adaptations and not remakes or anything like that" — when we were doing original pieces about something, and it was fun because it was always going slightly uphill, and you're always fighting against whatever obstacles there were. When I look back on it I realize how much fun it was.”


MS

Comentários

Professor Valente disse…
You did it again MS. Belíssimo texto e homenagem. Ficamos com saudades do Pollack.

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