Lorvão


Tenho grande interesse em filmes sobre o denominado Novo Mundo. A Missão, e não apenas pelo fabuloso De Niro, deixou em mim uma impressão forte e inesquecível. Sempre que o revejo pareço regressar a um lugar mágico, perdido na minha infância.

Também pela mesma razão O Novo Mundo foi o meu segundo filme preferido de 2006. E não apenas por ser Mallick. Por ser também uma história de violência. Aliás, a razão do meu grande interesse por filmes do Novo Mundo vem daí. Tenho desde cedo a minha opinião formada sobre o tema: a culpa é nossa. É evidente e claro e não vale a pena andarmos com rodeios. Há que assumi-lo e andar para a frente. E é este andar para a frente, tão difícil e tão humano, que me atrai para os filmes do género: observar, como se de um fétiche se tratasse, como descalçam os realizadores esta bota. O mesmo é dizer: como olham para o problema.

Talvez por isso, mesmo pouco sabendo de Apocalypto, passei boa parte do filme esperando a chegada dos espanhóis. Mesmo sem saber que no filme de Gibson haviam de chegar. É verdade que ajuda saber que o realizador australiano é um ultra-católico e que, por isso mesmo, não podia deixar de sentir um fraquinho pelo papel evangelizador-libertador que nuestros hermanos haviam de ter. E de uma certa forma apetece ser cínico até ao fim: só se pode explicar uma barbárie com outra. Apetece olhar assim o filme de Mel Gibson. A uma hecatombe, tantas e tantas vezes abordada e condenada, aquela que os espanhóis deixaram na terra dos Maias, só pode opor-se, como justificação, a punição (divina) por uma hecatombe igualmente devastadora. E é isso que Gibson faz, magistralmente, no seu filme: pressupõe os massacres espanhóis, sem nunca os abordar, apenas num brevíssimo plano mostrando os conquistadores ibéricos, e passa o seu tempo fílmico contando os antecedentes da chegada dos espanhóis, os massacres dos Maias. A história do fim de uma civilização morta a partir de dentro, é verdade (e isso nos lembra o realizador logo na epígrafe inicial), mas cuja machadada final é dada pelos europeus, ainda se se conta toda a epopeia amorosa e familiar de um jovem índio apanhado no meio deste ajuste de contas divino-civilizacional.

O império romano também implodiu é certo mas nem por isso se deixou de chamar ao seu carrasco o flagelo de Deus.
DM

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