Enciclopédia Moderna da Vida Íntima - II

Em Lost in Translation pode imaginar-se um artíficio de que muito gosto: tomar como convivência de tempos distintos da mesma situação a partilha de dois momentos distintos de situações parecidas. A abstracção é propositada e passo a explicar. Em Rouge, existem dois juízes. Um, personagem principal que divide o protagonismo com Irene Jacob, e um outro, mais discreto, que durante o filme se torna juiz e que pode (parecer) ser um alter ego actual do velho Trintignant. Em Lost in Translation creio que é fácil perguntarmo-nos por diversas vezes se os dois casais do filme não são afinal apenas um tipo universal de casal, com a sua relação incontornável e marcha inexorável. Esta questão só se permite por alguma pertinência nas similitudes que encontramos entre ambos. Nos dois casais há o elemento questionante e o elemento activo. Ou, sendo menos cruel, o elemento que está perdido e o que não está. A pergunta que fica por responder, assustadora ela e a sua resposta, é se, embora se compreendam melhor os elementos perdidos, poderiam sobreviver sem partilhar a sua vida com alguém que não está perdido. Com tudo o que isso acarreta. Não haverá, afinal, uma dupla e irresolúvel atracção dos perdidos na vida pelos seus semelhantes e pelos seus opostos? Constroem-se vidas com os últimos e renovam-se vidas com os primeiros? Não parece ser assim tão certo, não parece haver resposta.

DM

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